domingo, 11 de outubro de 2009

CONCLUSÕES

"Vidas Secas" é um romance composto por treze capítulos quase independentes. A continuidade textual explícita somente se opera entre os capítulos 10 /11 e 12/13. É uma narrativa circular, no final os personagens retornam ao estado inicial:- caminham sem destino impulsionadas pela necessidade.

Os protagonistas da estória são Fabiano, Sinha Vitória, o menino mais novo e o menino mais velho. São feios, vestem-se mal, são pobres e tem sérias dificuldades de comunicação. Os pais recorrem à violência para educar os filhos. As personagens sofrem modificações físicas ao longo da obra. No início estão magras, no final engordaram um pouco.

O soldado amarelo é o antagonista de Fabiano. Aparece em duas oportunidades. Na primeira, na cidade, abusa de sua autoridade levando-o preso. Na segunda, em ambiente rural, acovarda-se diante do sertanejo.

Os protagonistas estão bem adaptados ao meio rural e seu grupo social restringe-se aos membros da família e aos animais de estimação. Na cidade, sentem desconforto e não conseguem comunicar-se com as outras pessoas.

O espaço da narrativa é, predominantemente, rural. São suas transformações que impulsionam os personagens. Estão fugindo da seca, estabelecem-se na fazenda, com a chegada da chuva conhecem a prosperidade por algum tempo, vêm com desânimo as arribações anunciarem nova seca e fogem novamente depois que o gado já morreu de sede. O espaço urbano só aparece em dois capítulos, mas as personagem não se movem com desenvoltura na cidade.

Em toda narrativa o espaço funciona como uma espécie de antagonista de Fabiano e família. Como vimos, suas vidas dependem do regime da seca. A cidade também não é muito acolhedora. Lá, Fabiano encontra a prisão e Sinha Vitória é obrigada a fazer as necessidades na rua.

O tempo da narrativa é predominantemente psicológico. Predominam as reflexões das personagens sobre os fatos de suas vidas. Entretanto, isto não quer dizer que o autor não tenha se preocupado com o tempo cronológico. Em cada um dos capítulos e no conjunto da obra o desenrolar da ação dá uma idéia clara de tempo cronológico, que, às vezes, é ressaltado explicitamente no texto (...anos atrás antes da seca... - cap. 10). Além disto, as próprias transformações da natureza (seca, chegada da chuva, enchente, a fuga das arribações e nova seca), são índices de tempo cronológico.

Em algumas passagens o autor recorre à anacronia por retrospecção (como no episódio da morte do papagaio). A velocidade do tempo é variável ao longo do texto. Às vezes é acelerada, as vezes reduzida. No capítulo 9, temos um exemplo claro de narrativa que vai se desacelerando progressivamente até a ausência de movimento, correspondente à morte da cadela.

A linguagem empregada é próxima do coloquial. O uso constante de expressões próprias do cotidiano nordestino dão uma maior verossimilhança a estória, transportando o leitor para o universo criado pela obra. Como recurso expressivo, predominam as prosopopéias e as metáforas.

O texto é narrado em terceira pessoa. O narrador é onisciente, ou seja, sabe o que se passa no íntimo de cada personagem. Os discursos diretos são empregados largamente na obra. Mas não se pode dizer que existam diálogos. A comunicação verbal entre as personagens é muito precária. O texto é farto de discursos indiretos livres, que se apresentam, via de regra, em forma de questionamentos dos personagens.

Como o narrador focaliza cada personagem isoladamente, existem variações na narrativa. A quase identificação entre narrador e personagem é a causa destas variações.

Fabiano e Sinha Vitória resumem o nordeste brasileiro. Ele admite viver como um bicho, ela não se conforma em dormir na cama de varas. Fabiano adapta-se à natureza e a sociedade, está conformado com sua pobre condição. Sinha Vitória não, tenta fazer o que é necessário para afirmar sua humanidade, recorda constantemente de seu objeto de desejo (a cama confortável). Fabiano não é um cidadão e sabe disto, tanto que chega a insinuar que o Estado só se ocuparia dele para puni-lo caso cometesse um crime.

"Vidas Secas" não é um livro ideologicamente neutro, denuncia a falta de instrução do nordestino como a causa de sua miséria. Mais que isto, mostra claramente como a realidade do meio rural está submetida à cidade (que simboliza o Estado). Fabiano tem consciência disto, tanto que deixa o soldado amarelo em paz ao encontrá-lo pela segunda vez.

O próprio desenvolvimento da obra é um índice da ausência de neutralidade do romance. No princípio, as personagens são apresentadas como retirantes. Estão no meio rural. Alcançam alguma prosperidade, mas Fabiano é vítima de um abuso de autoridade na cidade. Logo que é apresentado, o meio urbano mostra-se mais agressivo que a natureza. O sertanejo pode até adaptar-se à natureza, mas estará sempre submetido à sociedade. A complicação alcança seu apogeu com o desejo de vingança de Fabiano. O soldado amarelo simboliza toda sua repulsa àquela forma de organização social, onde ele deve ser apenas um bicho. Note-se que Fabiano exterioriza seu ódio quando está bêbado. Sóbrio, controla-se e deixa em paz o soldado amarelo ao encontra-lo na caatinga. É óbvio que o sertanejo sabe que nada pode diante de um Estado que somente o reconhece como cidadão quando está em questão puni-lo. A seca retorna e a família e obrigada novamente a colocar o pé na estrada. No final, só a educação evitará que seus filhos levem aquele tipo de vida.

Assim, a narrativa é circular, justamente para que os leitores cheguem à uma conclusão linear:- o circulo vicioso das vidas secas só é rompido pela educação. Educação esta que é obtida através da leitura da própria obra.

As questões lingüisticas levantadas ao longo da obra, dão uma idéia clara do drama do personagens, isolados, confinados a um grupo reduzido de pessoas em virtude da precária comunicação. Mas, além disto, também indicam como poderiam ser resolvidos os problemas levantados ao longo da obra.

"Vidas Secas" é, sem dúvida alguma, uma obra de arte incomparável. No romance ajustam-se perfeitamente:- linguagem, tema, desenvolvimento e objetivos. O fato dos capítulos serem quase independentes não prejudica a unidade da obra. Ao contrário. A vida, a realidade, a própria verdade também são fragmentadas. A ordem dos fatos, das coisas é uma ilusão, fruto de uma convenção (como a própria língua), de maneira que ao escrever um romance fragmentado que pretende retratar ou recriar a "realidade fragmentada" do sertanejo, Graciliano Ramos não fez mais do que adequar a vida à arte.

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